Pleito ou soluções? Quando a melhor defesa é a união.


    Estudo de Caso: Automação de Poços de Petróleo.

    Este relato é baseado em fatos, preservadas identidades e localidades.
    Quando fui chamado a contribuir com minha experiência no projeto, me deparei com a seguinte situação:

    O cliente havia sido contratado por uma petroleira que atuava na África, para executar em 24 meses, a automação de 342 poços de petróleo, distribuídos numa área de 850 km².

    Principais desafios a enfrentar:

    Desafio1. Findo o prazo de 12 meses a petroleira optaria por revalidar ou não, o período restante, pois havia expectativa de não ser possível conciliar as operações com nossas atividades, de forma que a petroleira conseguisse manter seus compromissos de mercado;
    Desafio2. Cada liberação de acesso para realização dos serviços só poderia ocorrer com a presença de pelo menos dois técnicos da petroleira, que para isto teriam que interromper suas atividades de rotina e se dirigirem aos locais dos poços, que em média ficavam a 12 km de suas bases;
    Desafio3. As liberações eram válidas apenas durante o período das 08:00h às 16:00h, a cada dia de intervenção o processo de liberação deveria ser efetuado novamente;
    Desafio4. As escavações necessárias, por medida de segurança, deveriam ser realizadas manualmente;
     Desafio5. Atingir, no mínimo, o LUCRO orçado.

    Os desafios 2, 3 e 4 tiveram as condições explicitadas na reunião abertura – kick off meeting.

    Cenário encontrado:

    O contrato previa a automação dos poços a partir do dia 12/07 do ano 01 até dia 12/07 do ano 03, com opção de rescisão em 12/07 do ano 02.
    Nossa experiência indicava que dificilmente conseguiríamos automatizar um poço em menos de 3 dias.
    Com o escopo, custos, riscos, requisitos da qualidade, fontes das aquisições, já estabelecidos na fase de elaboração de proposta e as obras já em andamento a partir do cronograma consolidado, optei por avaliar as premissas da estratégia adotada e os resultados até então alcançados.

    Os fatos:

    Passados 2 meses de contrato, 8 poços haviam sido automatizados e outros 4 que estavam em andamento, foram relocados e tiveram sua automação interrompida em meio aos trabalhos.
    O contexto encontrado não era o mesmo que fora concebido quando da definição do escopo – o solo era muito mais rígido do que o imaginado, as liberações, quando ocorriam, raramente eram antes das 9:30h e as atividades eram paralisadas, no máximo, às 15h30min para que desse tempo de encerrarmos a liberação diária dos serviços, antes da troca de turno na petroleira, que ocorria às 16h.
    O início dos serviços, em um poço, não era garantia de que poderíamos concluí-lo, quanto mais tempo demorássemos maior era o risco de que sua produtividade caísse e os equipamentos fossem relocados para outros poços abertos pela petroleira.

    Análise dos dados:

    Nossa produtividade era 30% da prevista originalmente, precisávamos efetuar 14,25 por mês, mas havíamos concluído apenas 8 poços durante 2 meses.
    Para concluir os serviços no prazo, os 334 poços restantes, teríamos mais do que triplicar o nosso rendimento.
     O contrato provavelmente não seria revalidado ao fim dos primeiros 12 meses.

    As alternativas:

    a. Dar início ao processo de pleito , visto que boa parte do atraso era claramente imputável à petroleira.
    b. Solicitar rescisão do contrato, antes mesmo do prazo estabelecido contratualmente para revalidação do contrato.
    c. Buscar soluções para cumprir o prazo e manter o negócio viável.

    Ações propostas:
    Propus iniciarmos a preparação de um pleito e, principalmente, buscar soluções para alcançar o sucesso do contrato.

    Tomada de Decisão preliminar:
    Fui bem-sucedido em vender a ideia de que precisaríamos priorizar a busca por soluções, uma vez que ao fazer isto também encontraríamos argumentos que reforçariam nosso possível pleito.
    Modelagem a partir de dois enfoques:
    I. Entender melhor o processo e evidenciar as responsabilidades;
    II. Buscar alternativas para manter o negócio viável a todos os envolvidos.
    Após efetuarmos quatro modelagens e entender melhor o processo, nos fixamos em duas delas:
    a. A primeira modelagem tratou não de aumentar a produtividade, mas aumentar a produção. Elevamos o número de equipes de 3 para 9 e estabelecemos a duração de cada automação em 3 dias.
    A partir disto teríamos capacidade de automatizar até 63 poços por mês, mas com rendimento de pouco mais do que 30%, que era o até então alcançado, faríamos em média 20 poços / mês.
    Para validação do modelo, necessitávamos obter em média 3 liberações por dia e manter o LUCRO mínimo orçado.
    O primeiro modelo foi rejeitado, tendo em vista que não só o LUCRO foi zerado, como o contrato passaria a ser deficitário.

    b. Optamos pela segunda modelagem efetuada a partir dos 9 passos descritos a seguir:

    Passo a Passo da Pontualidade, na Prática:

    Passo1. Definimos o mínimo produto viável (MVP) sob o enfoque da petroleira;
    Nem todos os poços tinham as mesmas características, nesta etapa a petroleira estabeleceu prioridades, para que pelo menos um poço de cada tipo, tivesse a automação validada.
    Passo2. Identificamos a lista de funcionalidades a seguir:
    a. Comunicação entre o poço e a base operacional, via estação de rádio;
    b. Controlar remotamente intensidade do bombeamento através de inversores de frequência;
    c. Instrumentalizar o sistema do poço para obtenção e registro de parâmetros chaves;
    d. Otimizar, via automação, o bombeamento do poço a partir da base operacional;
    e. Capacitar os operadores no uso do software implantado.
    Passo3. Executamos a lista preliminar de atividades.
    Nesta etapa efetuamos novas modelagens, a partir das quais o escopo foi redefinido e flexibilizado. As equipes poderiam, a qualquer momento, sugerir ajustes no escopo se entendessem necessários. A autorização ficava vinculada a análise de variações do contexto, a eficácia em relação a obtenção das funcionalidades estabelecidas e obviamente os impactos sob a rentabilidade do contrato .
    Passo4. Determinação da data máxima aceitável para utilização das funcionalidades;
    Embora as funcionalidades dos poços fossem disponibilizadas, individualmente, tão logo a conclusão da automação de cada poço, a data contratual foi a utilizada como referência (12/07 do ano 03), tendo ainda uma data intermediária, 12/07 do ano 02, correspondente a data da revalidação.
    Passo5. Definir a data viável mais cedo para início da nova abordagem;
    A data mais cedo viável para início das alterações tático / estratégicas, foi estabelecida em consenso com os membros da equipe, como “ 12/10 do ano 01”, início do quarto mês de contrato;
    Passo6. O nível de confiança (Ic) definido para atender a data início operacional do último poço, foi de 95% ;
    Passo7. A variabilidade (sd) estimada para o projeto foi de 25%;
    Passo8. Estabelecer a data meta do projeto – Dm:
    Foi neste passo que aplicamos a ciência dos prazos.
    a. Uma vez estimada a incerteza, sd = 25% e o nível de confiança definido no passo 6, calculamos a proteção necessária para termos essa assertividade.
    Esse cálculo, baseado nos 21 meses restantes, resultou em uma proteção de aproximadamente 9 meses. 1,645 x sd25% x 21meses= 8,6 meses.

    A demonstração poderia ser utilizada para embasar um justo pleito de expansão de prazo com compensação financeira, ou até mesmo para negociar uma rescisão contratual consensada, antes que os prejuízos se tornassem relevantes.
    Além da ampliação do prazo, o cliente teria que garantir disponibilizar no mínimo 3 poços por semana e 16 por mês.

    Independente do desfecho das negociações, a solução seria mitigadora, mas seria uma típica solução perde x perde.

    b. O pior de tudo é que mesmo todas as condições anteriores sendo atendidas, a probabilidade de que ocorresse atraso em relação a nova data final 12/04 do ano 4 (12/07 do ano 3 + 9 meses), ainda seria alta, devido ao impacto do Viés de Convergência, já que a variabilidade passaria a ter como referência na nova data meta, mesmo que com menor impacto!

https://prazosdeprojetos.rbrosa.com/a-luz-tambem-cega/

    c. O Viés de Convergência tem sido a principal razão da baixa performance no atendimento a prazos.
    A forma que adotamos para neutralizar esses efeitos, não foi aumentar a produtividade pura e simplesmente, mas reduzir o prazo para a data meta (Dm).
    Como o saldo de tempo em nosso contrato era de 21 meses para a execução dos 334 poços restantes, aplicamos o efeito da variabilidade nessa duração, assim estabelecemos nossa data meta – Dm, da seguinte forma:

    Dm= Du ÷ (1+ sd x z95%)
    Dm= 21 meses ÷ (1+25% x 1,645) = 15 meses

    A data meta (Dm) foi estabelecida em 12/02 do ano 03.

    Desta forma estávamos mitigando os impactos dois princípios, o das incertezas e o do Viés de Convergência.

    Manter a data limite de uso igual a data meta (Dm), anula todos os esforços para combater a variabilidade.
    Passo9. A partir dos dados acima, elaboramos a modelagem, com o objetivo de demonstrar a solução alcançada.

    Cada poço automatizado demandava pelo menos 3 visitas dos dois técnicos para liberação dos serviços que necessitassem de intervenção operacional no poço ou em suas instalações adjacentes, ou seja, haveria necessidade de 1002 liberações até a conclusão da automação dos 334 poços que faltavam.

    Para as bases operacionais nós éramos um estorvo!

    A abordagem adotada foi a de evidenciar a redução de exposição aos riscos e diminuir a necessidade de afastamento dos técnicos da petroleira de suas funções operacionais reduzindo a quantidade de liberações por poço.
    a. Flexibilizamos o escopo de forma a nos adequar a baixa disponibilidade dos técnicos da petroleira.
    Na alternativa escolhida a modelagem apontou ser viável que as mesmas 3 visitas seriam suficientes a cada 2 poços, reduzindo a necessidade de liberações, pelos técnicos da petroleira, para 501 liberações.
    b. Em todas as modelagens interpretativas, a atividade de escavação manual, que demandava 2 dias com 6 pessoas diretamente envolvidas se destacava como o gargalo do processo de automação de poços, gerando 72 hh de exposição aos riscos nesta atividade.
    Embora não houvesse cadastramento das instalações enterradas, era possível identificar os seus encaminhamentos, ficando sempre a incógnita de qual seria a profundidade em que se encontravam.
    A modelagem apontou que uma escavação mecânica poderia ser feita em 5 horas, envolvendo 2 pessoas, gerando 10 hh de exposição aos riscos nessa atividade.
    Os impactos de um eventual acidente na perfuração de uma tubulação ou cabo elétrico, passariam de alto para baixo potencial, pois na condição inicial os trabalhadores envolvidos só teriam os EPIs e as ferramentas manuais, entre eles e a fonte impactada. Na nova estratégia o equipamento de escavação representaria uma proteção adicional e exporia menos os trabalhadores ao risco.
    A modelagem foi apresentada ao cliente, que nos autorizou fazer um “ciclo piloto” de automação de um poço pela nova estratégia.
    A escavação foi concluída em menos de 4 horas, a conclusão dos serviços ocorreu no dia seguinte.

    A premissa de garantir a segurança foi atendida e a estratégia autorizada.

    Resultados Alcançados:

    A abordagem para demonstração da nova metodologia focou apenas nas atividades “à quente”, aquelas que demandavam a efetiva presença dos operadores quando da liberação para início dos serviços.
    No entanto os principais ganhos foram oriundos ao focarmos prioritariamente nas funcionalidades que deveríamos entregar, e flexibilizar o escopo (o trabalho necessário) de forma a adequá-lo frequentemente ao contexto das frentes de trabalho, mantendo os requisitos de segurança, qualidade e lucratividade.
    Na maior parte dos poços a atuação “in loco” ficou em apenas 1 dia, pois atividades como infra estrutura de envelope elétricos (já com os cabos passados), bases dos inversores , eram todas pré-montadas e lançadas no dia das escavações e seguida das concretagens.

Uma abordagem ganha x ganha!

    No oitavo mês de contrato já estávamos com 192 poços automatizados e no mês previsto para revalidação ou não do contrato, o décimo segundo, já haviam 231 poços. Foi quando não só o contrato foi revalidado por mais 12 meses, conforme preestabelecido, como também foram acrescidos mais 76 poços, totalizando 418 poços (22% a mais do que o escopo original).

    A nova estratégia mostrou-se de grande eficácia, e apesar de continuarem ocorrendo percalços nas liberações, realocações de poços com parte dos trabalhos de campo já iniciados, intempéries, concluímos os serviços em 26/07 do ano 02, 18 dias de antecedência e sem que nenhum acidente.


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